Nossa comunidade de analistas do comportamento vem discutindo temas muito importantes: inclusão, questões de gênero, feminismo. Nós queremos dar a nossa contribuição sobre um aspecto que nos é muito caro: a maternidade – mais especificamente, a participação de mães em congressos e eventos da área. É difícil explicar, entender e pensar o que mães precisam para serem incluídas em situações como os congressos. E, sendo mães, é difícil termos tempo até de contar para os outros quais são as nossas necessidades, mas precisamos falar! Nesta carta, apresentaremos algumas demandas que, mesmo simples diante da complexidade de se organizar um congresso, servem para que essas necessidades sejam satisfeitas e, assim, mães possam se sentir acolhidas novamente na comunidade.
Em nossa cultura, tarefas que envolvem cuidado com os filhos ainda são vistas como essencialmente femininas: o custo comportamental recai majoritariamente sobre as mulheres. Isso é tão relevante que a diferença salarial entre homens e mulheres se deve em grande parte às perdas salariais para as mulheres que são mães (Chung, Downs, Sandler, & Sienkiewicz, 2017; Grimshaw & Rubery, 2015). Não é raro ouvir de empregadores que é “justo” um certo nível de diferença de salário porque mulheres engravidam. Adicionalmente, uma pesquisa publicada pela Fundação Getúlio Vargas (Machado, Neri, & Pinho Neto, 2017) mostrou que, dois anos após a licença maternidade, metade das mulheres havia saído do mercado de trabalho, na maioria das vezes, tendo passado por uma demissão sem justa causa após o retorno da licença. Os mesmos índices não são observados com homens que se tornam pais. Ou seja, a maternidade tem impactos reais sobre a vida profissional de mulheres!
Essa realidade, infelizmente, chega à Análise do Comportamento também. Ser mãe é concorrente a quase tudo na vida e é necessário um grande esforço para continuarmos frequentando os mesmos espaços profissionais. Congressos e eventos da nossa comunidade são momentos importantes para essas trocas, mas quantas de nós deixam de ir a um evento por impossibilidade de conciliar tais atividades com o fato de termos filhos? Muitas dessas dificuldades não são intrínsecas à maternidade, mas totalmente relacionadas à ausência de uma preocupação com a inclusão das mães. Recentemente, mães têm perguntado como podem participar de congressos, levando seus filhos, e isso causa estranheza, mas a inclusão de mulheres mães passa pela inclusão e aceitação de crianças nesses ambientes. É preciso lembrar que existem bebês que ainda mamam, não podem ficar tanto tempo longe da mãe. Existem mães solo, existem mães sem rede de apoio, existem crianças que não conseguem ficar com outras pessoas por muito tempo pelos mais variados motivos. Portanto, excluir crianças significa excluir mulheres! Além disso, um espaço preparado permite que homens também levem seus filhos, dividam cuidados.
Então, do que precisamos para nos sentirmos incluídas nos congressos da área? A ação mais simples que um evento pode realizar é divulgar que as crianças serão bem recebidas e garantir que todo o suporte moral será dado, protegendo institucionalmente essas mulheres dos olhares e ações, tão reforçadas na nossa cultura, de exclusão. Por exemplo, que seus monitores, palestrantes e participantes estejam avisados que crianças poderão estar presentes e isso não será um problema. Uma vez que isso aconteça, precisamos também de tolerância à variabilidade que a presença de uma criança gera. Precisamos de tolerância para acolher bebês que choram, para sairmos no meio de uma palestra e podermos voltar quando a criança acalmar. Precisamos de tolerância e acolhimento, e não de mais julgamentos.
Outras ações, ainda, podem ser realizadas pelas organizações dos eventos, algumas mais simples e outras que gerem mais suporte estrutural. Dividimos essas ações entre estruturas mínimas (aquelas sem as quais seria bastante difícil a participação de mães) e estruturas ideais:
ESTRUTURAS MÍNIMAS:
Aceitação de bebês e crianças em sala de aula;
Sala para ordenha e amamentação (de preferência, um espaço frequentado apenas por mulheres);
Trocador acolchoado;
Livre acesso aos locais do evento, sem custo adicional, para um acompanhante que seja da família do bebê ou funcionário (a) da família;
Garantia de livre amamentação em todos os locais do evento;
Diretrizes claras antes do evento de qual será a estrutura disponível.
ESTRUTURAS IDEAIS:
Espaço kids com tapetes de EVA e presença de monitores;
Acesso à cozinha do local para uso de microondas;
Acesso a pia limpa para higienização do equipamento de ordenha e dos utensílios do bebê;
Acesso a frigobar ou refrigerador para armazenamento de leite materno ou de comida do bebê;
Que o hotel do evento possua quartos com berço para que pais possam se hospedar no mesmo local ou que existam parcerias com hotéis próximos que tenham berços disponíveis;
Que o hotel do evento tenha quartos com frigobar ou que existam parcerias com hotéis próximos que possuam.
Solicitamos a todos na nossa comunidade de analistas do comportamento que, ao planejarem eventos, congressos e palestras, lembrem-se das mães e, assim, pensem em como poderiam receber as crianças. Quando não for possível a criação de um espaço físico dedicado a isso, pedimos que, ao menos, haja um ambiente social inclusivo. Pedimos também que todos os eventos avisem se serão baby friendly e quais serão as estruturas disponíveis. Importante lembrar que iniciativas de acolhimento às mães já foram feitas com sucesso pela Gestão da ABPMC (2017-2018). Durante os encontros da associação, foi permitido que mães pudessem frequentar o espaço do congresso com seus filhos. Além disso, a gestão promoveu discussões sobre as contingências vividas por mulheres que são mães, fomentando debates sobre maternidade e carreira. Tal iniciativa serviu para, no mínimo, mostrar que o que estamos pedindo é algo possível!
Se você concorda com nossa proposta, ajude a divulgar! Compartilha e conta pra gente como foi, para você, ser mãe, trabalhar e ocupar espaços usando #maestambemexistem
Atenciosamente,
Dra Ana Martins Torres Bernardes, mãe de Jorge e Carlos
Dra Fernanda Libardi, mãe da Cecilia
Dra Liane Dahás, sem filhos, prefere ser tia dessa criançada toda
Ms Luana Flor T. Hamilton, mãe de João e Beatriz
Dra Tauane Paula Gehm, mãe do Emanuel
Referências
Grimshaw, D. & Rubery, J. (2015). The motherhood pay gap: a review of the issues, theory and international evidence. Conditions of Work and Employment Series, 57, 1-65. Geneva: ILO.
Chung, Y., Downs, B., Sandler, D. H.; & Sienkiewicz, R. (2017). The Parental Gender Earnings Gap in the United States. Tech. rep., U.S: Census Bureau Working Paper (CES 17-68).
Machado, C., Neri, M. C., & Pinho Neto, V. R. (2017). Educação, ciclo de vida e desigualdade de gênero no mercado de trabalho formal brasileiro. Publicação online no site da Fundação Getúlio Vargas. Acesso realizado em 24 de julho de 2019 em http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/23976/Educação%2c%20ciclo%20de%20vida%20e%20desigualdade%20de%20gênero%20no%20mercado%20de%20trabalho%20formal%20brasileiro.pdf?sequence=1&isAllowed=y
Acho de importantíssimo a discussão desse tema. Sou mãe de uma bebê de 1 ano e meio. Confesso que hoje quando vejo uma propaganda de algum congresso na área, fico sob controle da condição de ser mãe. É como se fossem estímulos concorrentes. Criança x estudos.
Ou dou atenção pra minha filha no tempo que não estou trabalhando ou aproveito para aprender mais e estudar. Muito difícil. Decisão cruel. Apoio totalmente a causa. Inclusive o sonho do mestrado parece ficar cada vez mais distante, devido a falta de condições para incluir nos bebês durante os estudos. Enfim, estarei acompanhando os debates. 😍